quarta-feira, 21 de maio de 2014

Prémios LIDE Mar distinguem Açores como representa​ntes da excelência e do mérito no mar

PONTA DELGADA – O Comité LIDE Economia do Mar distinguiu o mérito e a excelência do trabalho desenvolvido nos Açores com a atribuição dos prémios ‘LIDE Preservar Mar 2014: Áreas Marinhas Protegidas nos Açores’ e ‘LIDE Conhecimento Mar 2014: Campus da Horta da Universidade dos Açores’, que vão ser entregues a 31 de maio numa cerimónia com o alto patrocínio do Presidente da República, no Pátio da Alfândega do Porto.
Este comité é um grupo especializado do LIDE Portugal – Grupo de Lideres Empresariais, que tem como principal objetivo perspetivar a economia do mar como um todo e promover, paralelamente aos seus usos tradicionais,novos usos para gerar, de forma sustentável, uma forte base produtiva, geradora de emprego e de bem-estar diferenciadora no contexto internacional.
Para o Presidente do Comité LIDE Economia do Mar, Miguel Marques, “os vencedores dos Prémios LIDE Mar 2014 são dignos representantes da excelência e do mérito no mar”.
O ‘Prémio LIDE Preservar Mar 2014: Áreas Marinhas Protegidas nos Açores’ é atribuído ao trabalho desenvolvido pela Secretaria Regional dos Recursos Naturais, através da gestão do Parque Marinho dos Açores e dos Parques Naturais de Ilha, em prol da preservação dos ecossistemas e recursos marinhos do arquipélago.
Esta rede inclui um total de nove reservas naturais, seis áreas protegidas para a gestão de habitats e espécies e 30 áreas protegidas para a gestão de recursos.
O Comité LIDE Economia do Mar reconhece que os Açores, através das suas Áreas Marinhas Protegidas, “têm sido pioneiros na forma de preservar os recursos do mar, o que implica uma maior responsabilidade e visibilidade nacional e internacional”.
De acordo com o Comité, um dos exemplos “de reconhecimento internacional de preservação ambiental é o facto de três das ilhas estarem integradas na rede mundial de Reserva da Biosfera da UNESCO”.
“A atitude de procura de consensos, que se pretende permanente, tem levado a cooperações pontuais entre decisores públicos, cientistas e empresas que operam no mar, com vista a serem tomadas as melhores decisões em termos de sustentabilidade ambiental, económica e social”, acrescenta o comité.
Relativamente ao Campus da Horta da Universidade dos Açores, que inclui o Departamento de Oceanografia e Pescas e o Centro do Instituto do Mar na Universidade dos Açores, o Comité LIDE Economia do Mar destaca que cerca de 90 cientistas se dedicam ao estudo do oceano profundo, das pescas, das áreas marinhas protegidas, da conservação e valorização da biodiversidade marinha e da ecologia espacial de grandes migradores oceânicos.
As atividades de investigação sobre fontes hidrotermais, montes submarinos e a ecologia de populações de cetáceos e outros grandes migradores, conduzidas neste Campus da Universidade dos Açores, tornam-na na avaliação deste Comité “a entidade líder em Portugal no contexto da ecologia do mar profundo e espaços oceânicos, e um dos principais players científicos a nível internacional”.

http://local.pt/portugal/acores/premios-lide-mar-distinguem-acores-como-representa%E2%80%8Bntes-da-excelencia-e-do-merito-no-mar/

terça-feira, 20 de maio de 2014

O Inverno deixou uma prenda aos arqueólogos numa praia de Esposende


Vestígios do naufrágio de dois navios, um holandês do século XV ou XVI e outro da época romana, foram encontrados na praia de Belinho.

Prato em alto-relevo transportado por navio holandês representando S. Cristóvão
Os efeitos do mar na costa de Esposende não são apenas um problema ambiental. A fúria destruidora do Inverno deste ano deixou a descoberto, na praia de Belinho, vestígios arqueológicos correspondentes a dois naufrágios. Os achados, que esta quarta-feira serão apresentados pela autarquia, são partes da carga e do casco de um navio holandês, do século XV ou XVI, e de ânforas de um navio romano, correspondendo, neste caso, ao segundo naufrágio desta época descoberto neste concelho.
Os destroços foram descobertos por quatro pessoas durante o Inverno, quando as notícias relatavam o efeito destruidor das grandes tempestades nas praias deste e de outros concelhos. Em Belinho, a norte da cidade de Esposende, em troca do areal que roubou, o mar deixou uma oferenda preciosa aos arqueólogos e historiadores: mais de 900 fragmentos da época romana, peças de madeira do navio holandês e, no caso deste, dezenas de pratos de esmola em latão, duas centenas de pratos de baixela em estanho, pelouros (balas) de vários calibres, entre outras peças, misturadas com pedra vulcânica usada para lastro desta embarcação.
Entre os achados, encontram-se peças conhecidas como pratos de Nuremberga ou dinanteries, por também serem produzidos e importados de Dinant, na Bélgica. São peças importantes não pela sua raridade – foram muito usados nas igrejas portuguesas e existem, aliás, em várias colecções museológicas – mas pelo trabalho decorativo. No Museu das Terras de Basto existe aliás um prato destes, praticamente igual a um dos que foi agora encontrado em Esposende, representando Adão, Eva e a inevitável serpente. Outro tem gravado o encontro de São Jorge com o Dragão e não falta, nesta colecção arrojada pelo mar, um S. Cristóvão, padroeiro dos viajantes.
Tal invocação de nada valeu aos que seguiam naquele barco. Naufragaram numa zona difícil da costa, com rochedos submersos famosos, como os Cavalos de Fão, um perigo para navegadores mais distraídos ou atirados para perto da praia por alguma tempestade. O mesmo poderá ter acontecido à embarcação da época romana que, pela carga, viria da Bética, província no Sul da península bem servida, já na altura, pelo porto de Cádis. Desfez-se por ali, no final do século I, deixando no fundo do mar uma carga de ânforas cuja forma indica a zona em que foram produzidas.

Mais provas na costa atlântica
Este naufrágio romano é o segundo já descoberto em Esposende. Há uma década, em Marinhas, mais a sul, outros achados da Bética tinham sido encontrados mas, então, foram pouco valorizados. Só nos últimos anos, uma equipa envolvendo os arqueólogos municipais Ana Paula Brochado e Ivone Magalhães, o investigador Rui Morais da Universidade do Minho, o consultor Carlos Alberto Brochado de Almeida, arqueólogo jubilado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a catedrática em geologia Helena Granja, e um especialista em química da Universidade do Minho, César Oliveira, apoiados por investigadores espanhóis, conseguiram revelar a importância daquelas ânforas do início do século I, em plena era de Augusto.

O historiador Allan John Parker escreveu uma grande obra sobre os naufrágios em época romana, mas listou apenas acidentes no Mediterrâneo, omitindo por completo a navegação no Atlântico. Tal lacuna começa a ser preenchida, acredita Rui Morais, para quem estes dois naufrágios “vêm contrariar essa tendência historiográfica, mostrando que houve um comércio permanente na fachada atlântica”. Que, aliás, remonta já aos finais da Idade do Bronze, insiste.
O académico salienta que já se conhecia um número considerável de produtos de importação ao longo da costa, em castros e cidades de época romana, o que pressupõe um comércio marítimo, fluvial, em grande escala, dado o elevado custo do seu transporte por via terrestre, mas explica que faltava encontrar vestígios relacionados com naufrágios, que demonstrassem que chegavam a esta parte da península pelo mar. “Encontrar provas é uma situação muito rara na costa Atlântica, e Esposende tem-nos brindado com estes achados”, congratula-se este arqueólogo que, para além de ânforas Haltern 70, um tipo de ânforas de fundo em bico e semelhantes a muitas que se encontram por toda a costa, Galiza acima, e até na Grã-Bretanha, identificou, nessa primeira descoberta, um novo tipo de vasilhame.
A essas novas ânforas, de fundo plano, chamou-lhes Rui Morais urceus. Graças ao trabalho de análise de química orgânica de César Oliveira, percebeu-se que traziam vinho adocicado com mel. As outras transportavam outros tipos de vinho e uma conserva de azeitonas em vinho cozido, conhecido como defrutum. O destino provável desta mercadoria, tal como a que transportava o segundo navio romano agora descoberto – em cujas ânforas se detectou conservas de peixe e outros preparados piscícolas – seria Bracara, a Augusta, cidade fundada no século I a.C. pelo imperador que morreu no ano 14, ou seja, há precisamente, dois milénios.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Pescas - «Não há muita população jovem e há barcos no limite das suas capacidades»

Durante anos o antropólogo Luís Martins viveu com famílias de pescadores e embarcou em diferentes fainas. Em entrevista partilha histórias do mundo piscatório português feito por homens e mulheres «com estratégia». Isto num sector onde a tecnologia já tem lugar de destaque, o que não afasta a dureza de uma profissão com «perigos» e com «um número decrescente de jovens e barcos no limite das suas capacidades».

Café Portugal - A pesca em Portugal continua a ser uma arte muito artesanal?
Luís Martins 
- Tenho dificuldade em fazer uma síntese das pescas em Portugal e utilizar o termo artesanal por razões diversas. Hoje um barco de cinco metros pode não precisar, mas o armador facilmente adquire um GPS [Sistema de Posicionamento Global]. O GPS pode ser pequeno mas tem a mesma eficiência de outros maiores, ou seja, vai ao lugar onde há peixe. Antes, os pescadores em dias de nevoeiro sentiam-se completamente perdidos. Podiam estar duas horas a procurar a baliza, ou seja, o local de início da arte. Antes os pescadores guardavam na memória os lugares de pesca, os sítios por onde podiam passar, os sítios perigosos. Anotavam em folhas soltas. O mestre de um barco, que em geral é também o proprietário, que pescasse com covos, tinha de memória uns 15 lugares onde depositava os covos. Nem precisava de mais. O GPS é um instrumento que alterou profundamente a relação presa/predador. O predador torna-se muito mais eficiente.

C.P. - Podemos então dizer que o GPS, introduzido nas pescas na década de 80 do século XX, revolucionou o sector. 
L.M. - 
Entre outros aspectos. Há uma coincidência temporal de acontecimentos, ligados ao esgotamento dos mares, mas também à renovação tecnológica. O GPS vem facilitar muito procura, sem ele demorava-se muito tempo a encontrar os locais com peixe. Mas depois há todo um conjunto de outros elementos. Por exemplo, uma rede de pesca dos anos 1970, precisava, com grande regularidade, de ser trazida para terra, ser limpa, ser encascada. Encascar é ferver a rede dentro de um grande caldeirão com uma casca de árvore. É uma técnica que permitia preservar melhor a rede, servia para lhe dar uma cor acastanhada e camuflar. Com o tempo, a rede perde essa cor e fica mais clara e o peixe percebe-a e consegue fugir. Mas surgiram materiais mais resistentes e hoje quase já não é preciso encascar uma rede, nem emendá-la. Muitas vezes a rede vai ao mar e fica lá vários dias. Hoje compra-se uma rede feita. Há um percurso de tecnologia que altera a relação de percepção que se tem com os mares e com actividade.

C.P. - O sector das pescas tem dificuldade de recrutamento de pescadores?
L.M. -
 Os primeiros contactos com o mundo das pescas foram em comunidades como Viana do Castelo, Póvoa de Varzim. São comunidades que passaram por transformações fortes. Em Viana do Castelo, quando comecei a minha investigação há muitos anos, já havia problemas de recrutamento. A inevitabilidade de serem pescadores já não se punha. Há um aumento da escolaridade, há um mercado mais aberto às suas potencialidades. Não há muita população jovem e há barcos no limite das suas capacidades. Se faltar um membro da companha, ou seja os tripulantes, o barco não sai.

C.P. - Porque fogem os jovens do mar?
L.M. - 
«Eu não quero que o meu filho seja pescador porque é uma vida dura». Esta expressão é muitas vezes ditas pelos pais e é bem verdade. Vai-se para o mar de noite e, num bom dia volta-se a terra pelo 12h00,13h00. Mas há dias que se passam no mar. Vem-se à lota descarregar e volta-se ao mar. É uma vida dura e perigosa.

C.P. - A arte de pescar requer um pensamento muito estratégico?
L.M. -
 Sim, há um pensamento permanente por parte dos mestres para traçar uma estratégia de acção. Por exemplo, num cerco à sardinha, o barco tem de procurar a sardinha. Se encontra cardume, lançam a rede. Mas podem estar a procurar algumas horas. No entanto, o mestre tem conhecimento adquirido de outros anos, pelo que se está a apanhar noutros portos. Com essa informação delineia uma estratégia para a pesca. A estratégia existia desde sempre. Antes do GPS, um pescador tentava esconder onde pescava. O lugar da pesca era absolutamente sigiloso. Daí o nome de alguns mares, como o sem camisa, um mar onde não se pescava nada, o mar do pargo, um local onde havia muito pargo. Hoje é diferente porque, pelo radar, é mais fácil saber onde cada um está a pescar. Antes escondiam-se no mar. Sabiam de um local com peixe, mas se estavam a ser seguidos, fugiam desse local e dirigiam-se a outro, por exemplo. Isto é o segredo da arte. Mas depois há também a crença. Cada pescador tem a sua crença de como se pesca melhor.

C.P. - Podemos dizer que estamos perante uma população em constante procura de conhecimento?
L.M. -
 O pescador é um agente mais móvel que o agente rural, o agricultor, porque se desloca de barco entre portos. Os pescadores estão fartos de viver no mar e vêem todos os dias um porto. No entanto, sempre que chegam ao porto a primeira coisa que fazem, sempre que possível, é ir aos outros barcos espreitar as artes. E todos os pescadores fazem isso. Se passam num porto e sabem que determinado barco está a pescar muito bem, vão ver como é a arte [a técnica de pesca] desse barco.

C.P. - Portugal tem uma forte tradição pesqueira, com diferenças regionais. Pode-nos salientar algumas?
L.M. -
 Há diferenças acentuadas. Muita rivalidade. Podemos construir uma imagem assim: Cada localidade tem a sua forma de fazer a caldeirada e discute bravamente qual a melhor. As diferenças passam pela forma de falar, as terminologias. Há diferenças lexicais bastante visíveis. Mais visíveis até em zonas de maior concentração de comunidades piscatórias. No Norte temos mais concentração de comunidades piscatórias. Mesmo aí, apesar da densidade, as diferenças na forma de falar são muitas significativas, até na designação das artes de pesca. No entanto, estas diferenças tendem a esbater-se por causa do ensino das pescas. A obrigatoriedade de passar pela escola de pesca criou alguma homogeneização lexical mas que não derrubou essas diferenças mesmo em comunidades vizinhas.

C.P. - A mulher continua a ter um papel importante?
L.M. -
 Há muito trabalho feito pelas mulheres mas depende das regiões. Também aí, Portugal difere muito. Nos Açores, a tendência é para a mulher não trabalhar nas artes. No Norte, na Póvoa de Varzim, a mulher faz parte da companha, organiza-a, faz pagamentos e vende o peixe. Mas, ali ao lado, em Viana do Castelo, nem pensar em mulher trabalhar na companha.

C.P. - Desde há muitos anos que estuda as artes da pesca em Portugal. Parte desse trabalho inspirou a exposição «Artes de Pesca. Pescadores, normas, objetos instáveis», patente no Museu de Etnologia, em Lisboa. O que se pode esperar desta exposição?
L.M. -
 A exposição mostra objectos da pesca, vídeos sobre as diferentes artes e fotografias. Há duas campanhas de recolhas de objectos. Uma nos anos 1960 em que pessoas que trabalhavam no museu, investigadores, traziam para o museu alguns objectos. Dessa primeira campanha destacam-se objectos de Lino da Silva, investigador que fez uma tese sobre armações fixas para a pesca do atum, as almadravas. Lino da Silva estudou no Algarve e de lá trouxe uma série de artes de pesca que estão aqui expostos. Na segunda campanha – desde 2004 – estabelecemos estratégia em duas dimensões. Uma fazendo entrevistas e fazendo filmes onde pedimos explicações de como funciona a arte, em que ano foram construídos os artefactos e contactámos algumas capitanias e estabelecemos acordos de colaboração para que «transferissem» para o museu algumas das artes apreendidas e cujos donos não revindicaram e conseguimos ter esses objectos expostos. Temos a exposição subdividida por processos, por artes de pesca, tais como apanha, arremesso, linhas e anzóis, armadilhas, redes e tracção com arrasto e sem arrasto. O espólio pertence ao Museu de Etnologia, excepto uma rede que foi emprestada.

Sara Pelicano; Fotografia - Luís Martins