Os chineses correm meio mundo em busca de uns animais, com o corpo em forma de chouriço, que fazem as delícias à mesa dos orientais – são os pepinos-do-mar, desprezados pelos portugueses. No mercado asiático, depois de secos, chegam a custar 150 a 200 euros por quilo.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Carta para a Ministra Assunção Cristas – 125 ONG pedem que se comprometa a acabar com a sobrepesca já em 2015
Exma. Sra. Ministra,
Em 15 e 16 de dezembro, V. Exa. reunir-se-á com os seus homólogos para tomar uma decisão referente aos limites de pesca de unidades populacionais de peixe no Oceano Atlântico e águas adjacentes. A sua decisão será tomada no contexto da Política Comum das Pescas (PCP) reformada, a qual obriga, tanto quanto possível, a acabar com a sobrepesca até 2015 e, numa base evolutiva e gradual, o mais tardar até 2020, para todas as unidades populacionais.1
Sabe-se que mais de 40 por cento das unidades populacionais avaliadas no Atlântico Nordeste e águas adjacentes são alvo de sobrepesca. A diferença entre os limites de pesca adotados e os níveis de pesca recomendados cientificamente aumentou significativamente nos últimos dois anos, indicando uma tendência de agravamento no que se refere à sobrepesca.2
Além disso, constatámos com preocupação que as recentes decisões do Conselho sobre os totais admissíveis de captura para o Báltico e para as espécies de profundidade falharam o objetivo de acabar com a sobrepesca em unidades populacionais sem que tenham sido apresentadas justificações.
Assim, solicitamos novamente a V. Exa. que cumpra o prazo de 2015 para todas as unidades populacionais, pois qualquer atraso em acabar com a sobrepesca irá simplesmente prolongar a degradação ambiental e as dificuldades socioeconómicas do sector das pescas. Com menos peixe, só poderá haver menos pesca.
Por favor, não desperdice esta oportunidade de proporcionar, às gerações atuais e futuras, não só unidades populacionais de peixe como ecossistemas marinhos saudáveis. Um número elevado de cidadãos da UE seguiu ativamente o processo de reforma da PCP, incentivando ministros e deputados do Parlamento Europeu a acordarem metas ambiciosas com vista a acabar com a sobrepesca. E, neste momento, esperam que V. Exa. implemente esta reforma sem demora.
De acordo com o regulamento de base, se V. Exa. ou qualquer um dos seus homólogos solicitar o adiamento do prazo de 2015, terá de apresentar elementos de prova específicos que demonstrem que a sustentabilidade social e económica das frotas pesqueiras envolvidas seria gravemente prejudicada pela decisão de acabar com a sobrepesca em 2015.3 Além disso, deve ser explicado como será reduzida a pressão de pesca de forma progressiva e gradual para níveis sustentáveis, o mais rapidamente possível e o mais tardar até 2020.
Chegou a altura de cumprir as expectativas da PCP reformada e de acabar com a sobrepesca na UE pelo bem do ambiente marinho, dos recursos haliêuticos e das comunidades que deles dependem.
_________________________________________________________________________________
1 Regulamento (UE) N.º 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de dezembro de 2013 sobre a Política Comum
das Pescas, Art. 2.2, http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2013:354:0022:0061:EN:PDF.
2 Consultar Comissão Europeia, “Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho respeitante a uma consulta
sobre possibilidades de pesca para 2015 no âmbito da Política Comum das Pescas” (COM [2014] 388 final),
http://ec.europa.eu/dgs/maritimeaffairs_fisheries/consultations/fishing-opportunities-2015/doc/com-2014-388_en.pdf.
3 Regulamento (UE) N.º 1380/2013 Considerando 7
http://pongpesca.wordpress.com/2014/11/27/carta-para-a-ministra-assuncao-cristas-125-ong-pedem-que-se-comprometa-a-acabar-com-a-sobrepesca-ja-em-2015/
Ciclo de debates - Conversas a bordo: "Arquivos e documentação histórica"
Dia 4 de Dezembro, Quinta-feira, às 18h00, debate sobre «Arquivos e Documentação Histórica», com os oradores André Teixeira (CHAM/UNL), Patrícia Carvalho (CHAM/UNL) e Paulo Alexandre Monteiro (IAP/UNL).
Ciclo de Debates "Conversas a Bordo" promovido pelo Museu Nacional de Arqueologia e pelo Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, da Direção-Geral do Património Cultural.
Pode assistir e participar em directo via internet no canal do EuroVision Museum Exhibiting Europe: http://ustre.am/1isEo
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
Colóquio Internacional «Mar dos Açores, Mar de Portugal, Mar da Europa aprofundar o passado para projetar o futuro»
Do antes de Portugal ao Portugal do futuro, o mar influiu e influirá na definição da sua fronteira e da sua identidade, das suas fronteiras e das suas identidades. Os Açores, por força do mar, foram sustentáculo da expansão de Portugal no Mundo e é o mar dos Açores que dá profundidade oceânica à União Europeia.
A Convenção das Nações Unidas de 1982 proclama que "todos os assuntos do mar estão interligados e devem ser tratados como um todo". A este desafio, responde o Colóquio Internacional "Mar dos Açores, Mar de Portugal, Mar da Europa: aprofundar o passado para projetar o futuro", através do cruzamento dos saberes da História com os demais contributos das ciências sociais, humanas, naturais e tecnológicas.
Com a organização do Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar (CHAM), das Universidades Nova de Lisboa e Açores em parceria com Universidade de Pablo de Olavide (UPO), e com o apoio dos municípios da Ribeira Grande (CMRG) e Lagoa (CML), S. Miguel, Açores, o evento, que terá entrada livre, realizar-se-á nos dias 27, 28 e 29 de novembro de 2014, respetivamente no Museu Vivo do Franciscanismo, na Universidade dos Açores, Campus de Ponta Delgada, e Cine Teatro Lagoense Francisco D’Amaral Almeida.
O horário e programa do colóquio serão disponibilizados oportunamente nos sítios da Internet da UAc; UPO; CHAM; CMRG e CML.
Programa: http://www.cham.fcsh.unl.pt/ac_actividade.aspx?ActId=191
sábado, 8 de novembro de 2014
Investigadores descobrem âncoras romanas no fundo do mar em Carcavelos
Uma equipa de arqueólogos subaquáticos encontrou, entre 2012 e 2013, vários vestígios romanos no fundo do mar em Carcavelos, concelho de Cascais, entre os quais vários tipos de âncora dessa época, foi hoje anunciado.
Os resultados, apresentados esta tarde no Museu do Mar Rei D. Carlos, foram obtidos no âmbito do projeto de elaboração da Carta Arqueológica Subaquática do Concelho de Cascais, desenvolvida pela câmara e pelo Centro de História d'Aquém e d'Além Mar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Em declarações à agência Lusa, o investigador Jorge Freire explicou que a sondagem arqueológica feita em 2012 e 2013, entre São Julião da Barra (Oeiras) e Carcavelos, permitiu "reforçar a presença de vestígios romanos no fundo do mar".
"Encontrámos vários tipos de âncora e outros elementos de navegações, provenientes de naufrágios, que remontam ao período romano, mas claro que há outros mais recentes", explicou.
Jorge Freire explicou que a primeira intervenção feita em São Julião da Barra ocorreu há 15 anos e, agora, foi possível retomar a sondagem arqueológica e descobrir novos vestígios.
O projeto da Carta Arqueológica Subaquática do Concelho de Cascais prevê uma investigação subaquática ao longo de cerca de 30 quilómetros de extensão, entre São Julião da Barra e o Cabo da Roca (Sintra). Além da zona de Carcavelos, já foi investigado o fundo do mar entre a Baía de Cascais e a Guia. Por explorar está ainda a zona entre a Baía de Cascais e o Cabo da Roca. Âncoras, canhões, material de navegação e mobiliário de bordo são a maioria dos vestígios encontrados, provenientes de possíveis naufrágios. "A costa de Cascais é bastante rica em canhões e isso explica-se por ser o canal principal de entrada em Lisboa", acrescentou Jorge Freire. Depois de a equipa de mergulhadores detetar os vestígios, contou o investigador, é feita uma avaliação por peritos arqueológicos, que conseguem determinar a sua época e, por conseguinte, o seu valor cultural."Algumas peças em perigo são retiradas do mar e recuperadas, mas a intenção maior é manter os vestígios onde estão e enriquecer o fundo do mar para fins turísticos, porque há cada vez mais pessoas a fazer mergulho", acrescentou também o investigador António Fialho.
O projeto, em curso desde 2009, visa a recolha de dados históricos e arqueológicos e a intervenção sobre sítios e achados já referenciados.
Diário Digital com Lusa http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=743446
terça-feira, 4 de novembro de 2014
"Inventário e Carta Arqueológica", dia 6 de Novembro, no Ciclo de Debates "Conversas a Bordo" da Arqueologia Náutica e Subaquática em Portugal - Museu Nacional de Arqueologia
O Museu Nacional de Arqueologia e o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, da Direção-Geral do Património Cultural, promovem o Ciclo de Debates Conversas a Bordo, dedicado a esta ciência e dirigido a todos os especialistas, profissionais e públicos interessados.
No dia 6 de Novembro, Quinta-feira, às 18h00, o tema de debate será "Inventário e Carta Arqueológica" com os oradores Catarina Garcia (CHAM/ UNL), Ivone Magalhães/ Ana Paula Almeida (C. M. Esposende), Jorge Freire (CHAM/ UNL) e Maria Luísa Blot (CHAM/ UNL).
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Arqueologia ao Sul: A arqueologia subaquática em Portugal
Hoje pelas 17h30 no Anfiteatro A do Complexo Pedagógico, Campus de Gambelas, o investigador Gonçalo Lopes fará uma comunicação sobre "A Arqueologia Subaquática em Portugal: percursos e desafios". Uma iniciativa do Nap da Universidade Do Algarve a não perder.
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
Pesca do bacalhau: "As sepulturas esquecidas"
Depois de uma presença
de séculos na região e do impulso dado pelo Estado Novo à chamada Faina Maior,
está por fazer a história desses homens que foram deixados para trás em St.
John’s, noutros portos da América do Norte e na Gronelândia. Dionísio Esteves,
de Vila Praia de Âncora, Caminha, vai ser o “rosto” deles, graças a um filme
que nos permite perceber onde foi enterrado há precisamente 48 anos.
A imagem é de 1966, de 6 de Maio. Num cemitério semiapagado pelo nevoeiro,
homens apertados nos seus fatos e gravatas, de ar abatido, escutam orações num
inglês que mal entendem, mas cuja cadência reconhecem. Alguns balbuciam as suas
preces em português, como se Dionísio Esteves, o que ali está a ser enterrado,
melhor fosse encomendado aos céus na sua língua materna. São de pescadores
todos estes rostos captados num documentário, 1966 — O Navio Branco,
que Hector Lemieux filmou para o National Film Board do Canadá. Nesse ano, o
capitão Vitorino Ramalheira e a tripulação do Santa Maria Manuela recuperaram
dois homens perdidos no nevoeiro. Mas viram morrer, num acidente de trabalho, o
jovem de Vila Praia de Âncora, Caminha.
Dionísio entrara como “verde” no Santa Maria Manuela em
1960. Segundo a lei, ao completar a sua sétima viagem consecutiva na Pesca do
Bacalhau, livrava-se do serviço militar obrigatório e foi com esse espírito
que, aos 26 anos, partiu de Lisboa, com a bênção de Salazar e da Igreja,
naquela Primavera, num dos famosos veleiros do que ainda restava da chamada
Frota Branca portuguesa. Assim baptizada desde que, para assinalar a
neutralidade do país, se teve de pintar de branco os navios, na II Guerra.
Dionísio ainda tentou levar o irmão Fernando com ele. Mas era duríssima a vida
nos dóris, esses botes de um homem só, em que os portugueses da pesca à linha
trabalhavam em troca de um salário dependente de quanto pescassem ao longo de
seis meses, e o rapaz de 18 anos, já homem feito e com bastante experiência de
mar, mas na costa portuguesa, achava-se novo para aquilo.
Vitorino Ramalheira mantém viva, aos 85 anos, a memória do temporal que
apanharam, entre os Açores e o Canadá, no final de Abril desse ano. Dionísio
ficou gravemente ferido quando, arrastado pelo mar no convés durante uma
manobra, terá embatido num ferro. “Foi na esquina do tanque do óleo do
bacalhau”, precisa Manuel Agonia Cancuja Marques, o Nia Cancuja, um dos
pescadores de Caxinas e Poça da Barca, Vila do Conde, que trabalhavam naquele
mesmo navio. O Gil Eannes estava ainda em Lisboa. Ramalheira
ponderou voltar para trás, e deixar o homem nas Ilhas, mas desconfiou da
qualidade dos cuidados que ali lhe poderiam ser prestados, explica à Revista 2,
justificando, assim, a opção de seguir viagem para a Terra Nova. “E na verdade
também nem tínhamos noção da gravidade dos ferimentos, que eram internos”,
acrescenta o capitão.
“O navio andava pouco. Ainda não tinha motor auxiliar, demoramos uns três
dias a chegar a St. John’s”, contabiliza Nia Cancuja. Acompanhado por um
enfermeiro, Dionísio agoniava em silêncio, “no beliche, sem dar uma fala a
ninguém” — diz o companheiro, já comovido pela memória — até acabar por morrer
na véspera da chegada a terra, a 5 de Maio. “O que nos botava em choque era ter
de passar por ele, e ele ali, morto.” No navio, estes tensos momentos de viagem
foram poeticamente captados por Rex Tasker, que escreveu e produziu o
documentário de Lemieux. “À noite chega o momento da chora” — the soup
of sorrow, traduz livre e apropriadamente para inglês o narrador, voz a
quebrar um plano silencioso na mesa do rancho. “Diz-se que quem a come voltará
aos Bancos [da Terra Nova]. Dionísio não a comerá. Recém-casado, esmagado por
uma onda, o seu corpo segue num caixão.”
Nesse dia 5 de Maio, o irmão de Dionísio, Fernando Esteves, acabara de
chegar ao portinho de Âncora quando o mandaram de imediato para casa, no bairro
dos pescadores, ali a poucos metros, aliviando-o do trabalho de descarga do
peixe. Desconfiou. “Quando cheguei, já estava tudo aos gritos”, revive. Alguém
os tinha vindo avisar da capitania, para onde eram enviados os telegramas.
Cristina, a mulher de Dionísio, enviuvava em seis meses, já grávida de uma
filha, Cândida, que nunca chegaria a conhecer o pai. França, para onde
emigraram mais tarde, deixou-as mais longe daquela desgraça que vem nas letras
pequenas de qualquer contrato de casamento com um pescador, numa cláusula
dependente dos humores do mar. O cemitério católico de São João da Terra Nova,
onde o tripulante do Santa Maria Manuela foi enterrado, está
cheio destas histórias, várias delas portuguesas.
Direito a uma campa
Presença constante nos Grandes Bancos há vários séculos, muitos portugueses foram sendo enterrados na Terra Nova, principalmente em St. Jonh’s, e em outros portos da costa canadiana e da Gronelândia, como acontece aliás com marinheiros das muitas nações que frequentavam, em meados do século XX, aqueles mares. Em Mount Carmel, nos arrabaldes da capital provincial e cidade-abrigo da frota portuguesa, uma placa assinala por exemplo a vala comum de 11 dos 15 fogueiros lusos do SS Florizel, um ferry a vapor que se afundou a 24 de Fevereiro de 1918, quando iniciava mais uma ligação a Nova Iorque. Morreram 93 pessoas. Outros portugueses, muitos deles pescadores de bacalhau, foram sepultados no mesmo local, em número indeterminado, mas o passar dos anos, as intempéries e o abandono deixaram sem identificação as sepulturas, adornadas normalmente com uma frágil cruz em madeira.
Presença constante nos Grandes Bancos há vários séculos, muitos portugueses foram sendo enterrados na Terra Nova, principalmente em St. Jonh’s, e em outros portos da costa canadiana e da Gronelândia, como acontece aliás com marinheiros das muitas nações que frequentavam, em meados do século XX, aqueles mares. Em Mount Carmel, nos arrabaldes da capital provincial e cidade-abrigo da frota portuguesa, uma placa assinala por exemplo a vala comum de 11 dos 15 fogueiros lusos do SS Florizel, um ferry a vapor que se afundou a 24 de Fevereiro de 1918, quando iniciava mais uma ligação a Nova Iorque. Morreram 93 pessoas. Outros portugueses, muitos deles pescadores de bacalhau, foram sepultados no mesmo local, em número indeterminado, mas o passar dos anos, as intempéries e o abandono deixaram sem identificação as sepulturas, adornadas normalmente com uma frágil cruz em madeira.
“Os cemitérios deles não são como os nossos. Aquilo é um campo”, descreve
Fernando Esteves. Mas ainda assim, Dionísio e os que por lá foram enterrados
ainda tiveram direito a uma campa. Outros foram levados pelo mar: que os
engolia à socapa, ao abrigo da névoa que se abatia repentina sobre os dóris, ou
que os arrastava borda fora dos lugres, como aconteceu no final da década de 50
com Armando Afonso do Águas Santas, outro pescador de Âncora, e um dos vários
mortos na Faina Maior a quem o dramaturgo Bernardo Santareno dedicou o seu
livro de crónicas marítimas, Nos Mares do Fim do Mundo. Escrita
quando o autor viajou como médico da frota bacalhoeira, em 1957 e 1958, a obra,
que foge ao registo épico das epopeias marítimas, concentra-se nos episódios
quotidianos dos que viviam a bordo em condições absolutamente precárias, no
limite do “aceno da morte” e à mercê, muitas vezes, do seu “beijo
gelado”.
Durante o Estado Novo, período em que a pesca do bacalhau foi submetida a
uma organização corporativa que tudo controlava, sob a omnipresença de Henrique
Tenreiro, um delegado-geral das Pescas com mais poderes do que os ministros do
sector com quem conviveu, os pescadores, na verdade, contavam pouco.
Percebeu-se isso logo em 1937. Nesse ano, milhares participaram numa greve em
que contestavam as condições impostas pelo regime — por via do recém-criado
Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau — que os obrigava a se
inscreverem no mesmo navio da campanha anterior, o que acabava com a concorrência,
entre armadores, pelos melhores pescadores e nivelava os salários para valores
tabelados. A paralisação durou semanas, mas os homens acabaram mobilizados à
força, após intervenção policial em várias comunidades. Alguns saíram
directamente da prisão para os navios, conta o investigador Álvaro Garrido em O
Estado Novo e a Campanha do Bacalhau.
Os navios eram, assim, uma extensão do país. Seguindo à boleia das palavras
de Bernardo Santareno, nas viagens de seis meses da pesca à linha, os capitães
exerciam uma disciplina férrea para conseguirem controlar os humores de dezenas
de homens rudes, quase todos de proveniência humilde e com baixas
qualificações, capazes de gestos extremos de solidariedade e, ao mesmo tempo,
prontos para se pegarem por qualquer insignificância. Estes ansiavam por
regressar a casa com o melhor salário possível, o que dependia dos
conhecimentos de quem os comandava e teria de os levar aos melhores pesqueiros
e, aí chegados, da sua sagacidade e destreza no manejo das linhas de múltiplos
anzóis.
O objectivo era encher o porão com bacalhau antes de o Inverno se insinuar,
gelando o próprio mar, no caso da Gronelândia. Submetidos a jornadas de
trabalho que podiam, por vezes, passar as 20 horas, que o descanso só chegava
depois de escalado e salgado o peixe, os pescadores acordavam às 4h, com uma
oração, para se lançarem de novo ao mar pouco depois, naquelas “cascas de
nozes” que tripulavam sozinhos. Os próprios assumem que nem sempre tinham
cuidado. Muitos afastavam-se demais, arriscavam por vezes demais.
“Como capitão, a minha maior preocupação era não perder nenhum homem.
Tentava mantê-los por perto, que o tempo às vezes mudava rapidamente. Mas eles
iam, como se nada fosse, contentes por poderem pescar. Eles eram um heróis. Quando
era novo, também tinha aquela adrenalina e fazíamos as coisas naturalmente, mas
agora, passados estes anos, digo-o: eles é que eram os heróis”, repete Vitorino
Ramalheira, que passou metade da sua vida profissional à procura do bacalhau e
que naquele ano de 66, como testemunhou Lemieux, chegou a temer pela vida de
outros dois homens, que se perderam no nevoeiro.
Perante estes riscos, não espanta que, até meados do século XX, em várias
comunidades do litoral, as mulheres destes homens tivessem por hábito vestir-se
de preto quando eles partiam, e cobrir com panos todo o mobiliário do lar,
dormindo, com uma enxerga, no chão. Era como se toda a casa se enlutasse,
solidária com as provações deles, por seis meses. Mais do que um mau
pressentimento, era uma espera sofrida, por um regresso que nem sempre
aconteceu.
Quando as más notícias chegam a casa
Apesar de haver documentação de várias instituições envolvidas neste “desígnio nacional” que era o abastecimento do país com um dos seus alimentos favoritos e de melhor conservação, não se conhece com exactidão o número de baixas na frota portuguesa da pesca do bacalhau durante o Estado Novo. Álvaro Garrido, que é também programador do Museu Marítimo de Ílhavo (MMI), afirma que, da consulta de documentação do Grémio, se contam, em vários anos, três a cinco mortos por campanha. Mas explica que o nível de sinistralidade mortal até tem sido maior nos arrastões. Em todo o caso, o facto é que, se se conhecem bem os casos excepcionais, como o afundamento do Maria da Glória, por um submarino, na II Guerra, que matou 36 homens, a grande maioria deles da Fuzeta (Olhão), até hoje ninguém soube dizer quantos, quem eram e de onde partiram esses homens que ficaram nesses mares do Fim do Mundo até ao ocaso da pesca à linha, que coincidiu, em 1974, com o 25 de Abril.
Apesar de haver documentação de várias instituições envolvidas neste “desígnio nacional” que era o abastecimento do país com um dos seus alimentos favoritos e de melhor conservação, não se conhece com exactidão o número de baixas na frota portuguesa da pesca do bacalhau durante o Estado Novo. Álvaro Garrido, que é também programador do Museu Marítimo de Ílhavo (MMI), afirma que, da consulta de documentação do Grémio, se contam, em vários anos, três a cinco mortos por campanha. Mas explica que o nível de sinistralidade mortal até tem sido maior nos arrastões. Em todo o caso, o facto é que, se se conhecem bem os casos excepcionais, como o afundamento do Maria da Glória, por um submarino, na II Guerra, que matou 36 homens, a grande maioria deles da Fuzeta (Olhão), até hoje ninguém soube dizer quantos, quem eram e de onde partiram esses homens que ficaram nesses mares do Fim do Mundo até ao ocaso da pesca à linha, que coincidiu, em 1974, com o 25 de Abril.
A revolução pôs os homens em alvoroço. Depois de uma greve em que exigiam
que o salário passasse a ser fixo e não dependente do que pescassem, nesse ano,
dois dos três últimos navios com dóris, o Ilhavense e o São Jorge, foram ao
fundo ao largo da Terra Nova. Muitos dos velhos navios à vela tinham sido
abatidos assim, após incêndios alegadamente provocados a mando dos armadores,
em que todos, como aconteceu nestes casos, saíam ilesos. E quis a ironia da
história que o último exemplar deste tipo de pesca — que no Estado Novo se
manteve em paralelo com tecnologias mais modernas e predatórias como o arrasto
— se chamasse Novos Mares. Símbolo do fim de uma era, este
atravessou o estreito de St. John’s a 24 de Julho de 1974, a caminho de Aveiro,
onde foi adaptado para a pesca com redes. Nesse ano, as imagens de dezenas de
homens espalhados pelo mar, cada um no seu bote, passou a ser uma memória. Ao
mesmo tempo vibrante e triste, pela lembrança dos que por lá ficaram.
Só na terra de Agonia Cancuja, as Caxinas, ainda hoje demasiadas vezes
notícia pelos seus náufragos, contam-se em mais de uma dezena os nomes que a
Revista 2 foi descobrindo, numa curta pesquisa, apenas em
conversa com alguns pescadores. Várias famílias têm um antepassado que não
regressou vivo de uma actividade que, muito dura, era ainda assim bem mais
rentável do que a pesca local, feita então com barquinhos pouco maiores do que
os dóris usados nos Grandes Bancos. Lugar de recrutamento de cerca de mil bacalhoeiros,
esta zona, com a vizinha Póvoa de Varzim, foi uma fonte importante de
mão-de-obra, mas foi apenas uma das muitas comunidades piscatórias de norte a
sul e das ilhas que, ao longo de quatro décadas, entregaram cerca de 20 mil dos
seus àquela vida.
A cada casa, as más notícias podiam chegar, choque difícil de imaginar, com
o navio. Foi isso, segundo Santareno, que aconteceu com a açoriana Rosa Bailão,
que lançara foguetes para dar as boas-vindas ao marido, Jorge, que só depois
percebeu que se perdera no mar. Mas normalmente elas corriam mais depressa, à
velocidade de um telegrama. Em 1965, criança ainda, o caxineiro José Marafona
soube pelas lágrimas da mãe — revê-a de papel na mão, grávida, 12 filhos — que
o pai, José Gomes Marafona, não regressaria. O corpo, admite a família numa
dúvida alimentada pela distância e pelo tempo que entretanto passou, terá sido
sepultado na Gronelândia. Como o do ilhavense Manuel Gonçalves Bilelo, de cuja
sepultura o Museu Marítimo de Ílhavo guarda uma fotografia tirada por um antigo
comandante do Gil Eannes.
A história destes homens não será muito diferente da de outros que, até
esse ano de 1966, eram levados para um porto próximo. Só depois de Dionísio
Esteves, os corpos dos que morriam “começaram a ser trazidos de volta”, explica
Fernando Esteves, facto confirmado por Vitorino Ramalheira. O Gil
Eannes, que funcionava como navio-hospital mas também como capitania
flutuante, “ainda não estava por perto quando se deu o acidente com o Dionísio.
Tive de tomar uma decisão”, relembra este homem, natural de Ílhavo, descendente
de uma linhagem de marinheiros e filho de outro famoso capitão de navios
bacalhoeiros, João Ramalheira.
Um dos amigos do capitão Vitorino Ramalheira, Francisco Teles Paião,
comandava o Rio Antuã em 1962 quando, a 7 de Setembro, dois ou
três dias antes da viagem de regresso para Portugal, perdeu o seu melhor
pescador. Chama-se José Francisco Marques, Zé da Ferrucha, este caxineiro de 39
anos que viu o seu dóri carregado afundar sem que alguém lhe desse a mão. Foi
no Mar da Barrinha, na costa oeste da Gronelândia, precisa o irmão Joaquim, 77
anos bem conservados, que não esconde que a ambição que elevara o Zé da
Ferrucha à condição de “special” do Rio Antuã — atribuído a
quem pescasse muito mais bacalhau do que os outros — pode bem ter sido o que
levou à morte. A ele como a outros, levados ao fundo do mar por uma ganância
estimulada pelo sistema de remuneração variável. “Nós contribuíamos para isso,
ao afixar a tabela com a classificação de cada um, ao longo da viagem”, assume
hoje o capitão Ramalheira.
Naquele dia, como habitualmente, José Francisco Marques enchera o bote.
Afastara-se dos outros, como muitas vezes fazia, e aparecera depois carregado
ao pé do dóri do irmão, que ainda pescava. Foi seguindo viagem para o
navio-mãe, a remos, quando o tempo virou, trazendo névoa e um vento que
levantou a marola da água. Confiante, o caxineiro despachara a companhia de
outro pescador que se aproximou dele, mais leve de carga. Seguia sozinho,
quando, de longe, o irmão ouviu os gritos, três, cuja origem só percebeu
quando, chegando ao Rio Antuã, viu que só o Zé da Ferrucha não
estava ainda a bordo. De pouco valera a Joaquim aquele “Oxalá não seja do meu
lado” que a sua cabeça inventara minutos antes, ao ouvir o socorro longínquo,
no mar. E de pouco valera a José a sua destreza. Nos mares gélidos da
Gronelândia, a morte chega rápida e ele, sabendo-o, amarrou um pulso ao balão
dos seus aparelhos de pesca.
Foi assim que o encontraram, ao Zé da Ferrucha — bacalhoeiro desde 1938 —
naquele ano em que pela primeira vez, no Rio Antuã, não pescara com
o dóri número 13, o do dia da Senhora de Fátima. Os barcos foram nessa viagem
sorteados pelo capitão e calhou-lhe o 42. Anos antes, numa colecção de cromos
sobre seres vivos que fez a delícia da criançada, este era o número do bacalhau,
uma estampilha “marcada”, por ser difícil de encontrar. E ficou tão famosa
aquela caderneta que, deste então, e como recorda o irmão, no jogo do loto, o
42 é cantado como “O Bacalhau”, nas Caxinas. Mas de nada valeu este aparente
golpe de sorte ao exímio pescador.
José Francisco Marques deixou mulher e quatro filhos. Longe de casa, o seu
corpo seguiu para o navio-hospital Gil Eannes, que o transportou
para o porto da localidade de Holsteinsborg, actual Sisimiut, na Gronelândia,
para ser enterrado. Este porto com pequeno hospital, de difícil entrada,
segundo Santareno, tinha “fama de perigoso”, por causa de várias pedras que
dificultavam a navegação. Mas foi bastante utilizado pela frota portuguesa.
A memória da Grande Pesca
A perda do pai não demoveu Manuel Marques, então com 17 anos, da vontade de experimentar a pesca do bacalhau. E foi pela mão do tio Joaquim que, na Primavera de 1963, entrou naquele mesmo barco de onde José fora levado num caixão, sete meses antes. O capitão Francisco Teles Paião, que declinou um convite da Revista 2 para um depoimento sobre estes episódios, tê-lo-á recebido a bordo com uma amabilidade estranha ao relacionamento habitual, distante, entre oficiais e pescadores. “Ele era duro, mas tinha bom coração”, descreve o caxineiro, que, pelo Natal, mantém o hábito de contactar aquele homem de Ílhavo, outro descendente de uma linhagem de capitães cujo pai comandava então o Argus, um dos dois barcos — o outro é o Santa Maria Manuela — que Aníbal Paião, dono da Pascoal & Filhos, comprou recentemente, para o recuperar e manter, assim, na esfera da família, a memória da Grande Pesca.
A perda do pai não demoveu Manuel Marques, então com 17 anos, da vontade de experimentar a pesca do bacalhau. E foi pela mão do tio Joaquim que, na Primavera de 1963, entrou naquele mesmo barco de onde José fora levado num caixão, sete meses antes. O capitão Francisco Teles Paião, que declinou um convite da Revista 2 para um depoimento sobre estes episódios, tê-lo-á recebido a bordo com uma amabilidade estranha ao relacionamento habitual, distante, entre oficiais e pescadores. “Ele era duro, mas tinha bom coração”, descreve o caxineiro, que, pelo Natal, mantém o hábito de contactar aquele homem de Ílhavo, outro descendente de uma linhagem de capitães cujo pai comandava então o Argus, um dos dois barcos — o outro é o Santa Maria Manuela — que Aníbal Paião, dono da Pascoal & Filhos, comprou recentemente, para o recuperar e manter, assim, na esfera da família, a memória da Grande Pesca.
Como quase todos os bacalhoeiros, Manuel Marques também mantém fresca, como
que conservada em sal, a sua memória daqueles anos. Principalmente do de 1967,
em que um problema grave nos pulmões o obrigou a uma cirurgia em St. John’s e
posterior convalescença no Gil Eannes, onde chegou a estar em
isolamento. Já quase recuperado, soube que o navio-hospital, que então navegava
ao largo da Gronelândia, ia passar por Holsteinsborg, e pediu que o deixassem
ir a terra, para ver a sepultura do pai. Um grupo, que incluía entre outros
Jaime Pontes, outro caxineiro, pescador no Avis, e Manuel Agonia
Maio, da Poça da Barca, e tripulante do Dom Deniz, foi então
enviado à pequena localidade. Jaime recorda bem que lhes deram tinta e madeira,
para que, se fosse necessário, recuperassem as cruzes das sepulturas de
portugueses — cerca de dez, doze, Manuel já não sabe precisar. Nos últimos
anos, os filhos dele contactaram a paróquia de Sisimiut, de onde lhes disseram
que as campas já não estavam identificadas.
Há dois anos, um canadiano com raízes nas pequenas ilhas francesas de Saint
Pierre e Miquelon, no Sul da Terra Nova, foi contactado a partir de Portugal
por um amigo, Pedro Pinto — antigo capitão de navios bacalhoeiros e actual
coordenador de operações da Agência Europeia de Controlo das Pescas — e pelo
comandante da corveta António Enes, da Marinha. De partida para mais uma acção
de fiscalização nas águas da Organização das Pescas do Atlântico Noroeste
(NAFO, em inglês), pretendiam ambos fazer uma cerimónia militar de homenagem
aos portugueses e Jean-Pierre Andrieux, empresário e estudioso da nossa presença
nesta região, pareceu-lhes o homem certo para a organizar.
A Andrieux, a parada e a deposição de flores, em Agosto de 2012, soube-lhe
a pouco, mesmo que repetida anualmente, como acontece desde então. Há dezenas
de anos que o canadiano acompanha os portugueses, fruto de uma amizade que
nasceu nos inícios de 1980, à mesa dos oficiais do Vimeiro, que aportara em
Saint Pierre. Foi ali que o empresário, dono de um hotel, e a mulher,
Elisabeth, conheceram um dos seus grandes amigos, Francisco Paião, que comandava
então esse outro navio. Ele é um de vários portugueses, quase todos da região
de Aveiro, que fazem questão de visitar todos os anos, em longas férias que vêm
repetindo há um quarto de século e que os trouxeram a Portugal em Março e Abril
deste ano. Mas desta vez, para além da vontade de rever Paião, Ramalheira e
outros, o casal trouxe na bagagem um propósito maior: o de garantir, este ano
ainda, esperam, uma homenagem perene aos marinheiros de que tanto ouviram
falar.
“A memória daqueles pescadores tem de ser preservada”, insiste este
canadiano de 66 anos que ouviu as histórias da Frota Branca nesses jantares em
que provou o vinho verde e outros sabores que, terminada a moratória de pesca
nos Grandes Bancos, voltaram em 2010 a atravessar o Atlântico com os (agora
poucos) navios bacalhoeiros. No novo hotel que entretanto abriu em St. John’s,
há colecções de peças pertencentes aos serviços de mesa de muitos dos antigos
lugres e, na biblioteca, há uma miniatura à escala do Gazela Primeiro,
mítico veleiro que, em 1969, fez a sua última viagem à pesca do bacalhau. Em
sua casa, para além de bóias do Gil Eannes, guarda umas 40 mil
fotografias de navios, centenas delas documentando a presença lusa nas águas da
Terra Nova. “Isto representou uma mudança também na minha vida e na da minha
família. Portugal passou a fazer parte de nós”, assume este homem que dedicou
um dos volumes da sua obra Acidentes e Naufrágios na Terra Nova e Labrador ao
período entre 1940-1980 e, especialmente, à Frota Branca.
Conhecido o homem, percebe-se porque se meteu Andrieux, nos últimos anos,
num esforço de angariação de fundos para construir um monumento aos portugueses
enterrados em St. John’s. Em Outubro, organizou um jantar, com comida e música
portuguesa, e os seus conterrâneos pagaram cem dólares (quase 66 euros) por
cabeça para participar. Apesar de problemas pontuais, de alguma discriminação
testemunhada por vários pescadores noutros tempos, passados estes anos, “é
forte e boa a memória dos portugueses, principalmente do tempo da Frota Branca,
nas décadas de 50 e 60, em que eles chegavam aos milhares à cidade”, nota o
empresário. O ar humilde, as camisas de padrão axadrezado, os jogos de bola com
que se entretinham no cais que os abrigava das tempestades nos Bancos e o ar de
museu vivo daqueles veleiros, linhas de mastros a marcar o horizonte, criaram
uma aura. “Que não foi esquecida”, acrescenta, justificando assim os 7500
dólares angariados.
A estátua, cujo desenho ainda está a ser pensado, vai ser construída nos
próximos meses em Portugal e viajará para a Terra Nova como aqueles que vai
homenagear: num navio bacalhoeiro. No cemitério de Mount Carmel, será uma marca
perene junto de sepulturas sem nomes. “É triste não estarem identificados”,
lamenta o empresário que escreveu sobre contrabandistas de álcool durante a lei
seca, sobre as ilhas Francesas onde nasceu, sobre os Grandes Bancos de pesca e
que, no ano passado, publicou The White Fleet — An History of the
Portuguese Handliners. É o seu contributo para a história de uma saga que
inspirou grandes obras como A Campanha do Argus, de Alan Villiers
(livro de 1951, que acaba de ter a sua terceira reedição, uma parceria da
Cavalo de Ferro com o MMI), e que apaixonou também o cinema, como se pode ver
em Captain Corageous (1937), filme a partir da obra homónima
de Rudyard Kipling que valeu a Spencer Tracy um Óscar de melhor actor pelo
papel de Manuel, um pescador português.
A atracção da Sétima Arte pelos veleiros portugueses foi imensa. Villiers
filmou (e fotografou) uma das viagens do mítico Argus, um veleiro
construído no século XIX, e, entre vários outros, George Sluizer gravou em 1967
para a National Geographic o documentário The Lonely Dorymen,
passado nos navios José Alberto e Vila do Conde. Mas a película de Lemieux,
filmada um ano antes a bordo doSanta Maria Manuela, acabou por ter outro
significado, ao deixar para a posteridade uma imagem do lugar onde foi
enterrado Dionísio Esteves, o que o retirou do anonimato a que o tempo o
votara. Graças ao plano do cemitério, a homenagem aos portugueses vai ter um
rosto, o do jovem bacalhoeiro de Vila Praia de Âncora que morreu há 48 anos.
O pai de Dionísio também andara nos Grandes Bancos. E Fernando acabou por
ir para lá em 1967, num arrastão, escapando aos trabalhos árduos da pesca à
linha e, como era benesse da legislação desde 1927, livrando-se do serviço
militar. Escolheu esse outro mar para fugir ao Ultramar, onde a morte
espreitava no mato. Andou por ali mais do que os sete anos que a lei equivalia
à tropa, marcou o corpo com cicatrizes, perdeu o baço, mas pôde visitar o
irmão, uma vez. De outras que tentou, “a neve no monte”, recorda, impedia-o de
perceber onde estaria enterrado. E depois a vida levou-o para outros mares, os
de África, onde correu o mapa até ao cabo da Boa Esperança, antes de se fixar
de novo na pesca costeira, na terra natal.
Reformado, Fernando Esteves acalenta agora a esperança noutra viagem, que o
leve a ver de novo a sepultura do irmão. Em Março deste ano, Jean-Pierre
Andrieux esteve com ex-bacalhoeiros em Caminha, a convite da câmara local — que
assim lhe agradeceu o gesto em memória de Dionísio — e fez questão de o
convidar a participar na homenagem que está a organizar. O canadiano garante
que se arranjará maneira de custear a deslocação deste homem. Conheceram-se num
almoço que terminou com um bolo, um doce em forma de bacalhau salgado-seco, e
no qual não faltou, a abrir, a chora, uma sopa de bacalhau antes servida no
rancho da proa dos navios e hoje transformada em iguaria gourmet. Se for
verdade o que diziam os antigos, ao comê-la, Fernando talvez tenha garantido o
seu bilhete de regresso à Terra Nova.
Ao meu bisavô Abel, que em 1910 já andava pela Terra Nova e que para lá
levou meia dúzia de filhos, tendo perdido um deles no mar, nessas viagens. À
Cândida, que não conheço e que nunca conheceu o pai, Dionísio Esteves. Ao meu
pai, Abel, que, como a maioria, felizmente, teve a sorte de ir e voltar.
sexta-feira, 10 de outubro de 2014
Bote que andou ao choco virou peça de arte
A embarcação já estava em fim de vida após décadas na pesca do choco. Agora, coberta por 20 mil pioneses, está exposta no Mercado do Livramento, em Setúbal
Não se lhe conhece o dono, nem as aventuras das pescarias em que participou. Mas terão sido muitas ao largo de Setúbal. E desgastantes, a julgar pelo estado em que a pequena aiola de madeira chegou às mãos de Teresa Melo. "Estava mesmo em fim de vida. Tinha buracos, que já deixavam entrar água", recorda. Mas a artista plástica deu-lhe a volta. Depois de lixar e polir o tradicional bote que os pescadores sadinos utilizam na pesca ao choco, pegou em cerca de 20 mil pioneses e na criatividade de seis instituições da terra, para ergue a mais recente peça de arte que hoje foi apresentada no Mercado do Livramento.
Mas o que significam os 20 mil pioneses dourados, com as cabeças coladas pelos três metros e meio de bote e os respetivos bicos virados para fora? "O dourado remete-nos para a fase dos descobrimentos, tão importante para Portugal e estes bicos retratam o medo e perigo que os pescadores enfrentam no mar", explica Teresa Melo, artista plástica do Porto, que recentemente chegou a Setúbal, onde trabalha como programadora de arte, na Casa da Avenida (Luísa Todi).
Agora o interior do barco. Em azul-marinho, que deixa à vista golfinhos, estrelas-do-mar, mas também redes de pesca, com peixes, conchas, mas também lixo, traduzido em bóias, cruzetas e sapatos. Até onde conseguiu chegar a criatividade das seis instituições particulares de solidariedade social da cidade que participaram no projeto.
"Nós fizemos os golfinhos e as estrelas-do-mar. Foram duas semanas de trabalho, mas nem imagina o orgulho que estamos a sentir ao ver isto expostos e tanta gente a apreciar a obra", referia Maria Ana Condensa, utente de Centro Comunitário de Santa Maria da Graça, enquanto o "Art Boat" - assim oficialmente batizado - ia atraindo dezenas de curiosos que estiveram na praça de Setúbal.
O projeto inscreve-se na iniciativa "Arte em Toda a Parte" que ao longo de mais de um ano promove a realização de intervenções artísticas em Setúbal, promovida pelo futuro centro comercial da cidade (Alegro), que abre a 11 de novembro, com a participação de artistas portugueses consagrados, artistas locais e internacionais, respeitando sempre a componente de participação da população sadina. A aiola foi já a oitava obra apresentada ao público.
terça-feira, 7 de outubro de 2014
A Arqueologia Náutica e Subaquática em Portugal: "Conversas a Bordo", Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa
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quinta-feira, 11 de setembro de 2014
Miguel Freitas: Garantir mais licenças para armações de atum é prioritário para Portugal
O deputado do PS eleito pelo Algarve Miguel Freitas quer que o Governo assuma como prioritária a consolidação definitiva de três licenças para instalação de armações de atum, em Portugal, na negociação que irá ocorrer em Bruxelas em dezembro deste ano. Os socialistas preparam-se para apresentar uma proposta nesse sentido na Assembleia da República, em torno da qual o parlamentar acredita que se criará «um consenso alargado».
À margem de uma visita às armações de atum da empresa Real Atunara, situadas frente à Ilha da Barreta, em faro e à Praia do Barril, em Tavira, Miguel Freitas defendeu que é «importante aproveitar este momento extraordinário para consolidar definitivamente as três licenças para armação de atum rabilho para Portugal», junto da União Europeia.
«Porquê? Primeiro, porque existe uma recuperação biológica desta espécie. Espanha, este ano, libertou 10 mil animais e Portugal 1200 atuns. Isto quer dizer que há uma recuperação franca desta espécie. Por outro lado, há a mudança que se verifica neste momento na Comissão Europeia. São dois elementos essenciais para que Portugal tenha como prioridade poder alterar a situação da atribuição histórica de licenças para armações de atum», disse o deputado do PS ao Sul Informação.
Atualmente, Portugal apenas tem direito, à luz da Política Comum de Pescas, a instalar uma armação de atum. Mas conta com três armações, duas das quais as que foram visitadas por Miguel Freitas. «O que nós verificamos é que, desde há cinco anos, nem Espanha, nem Itália utilizam todas as armações a que têm direito. Portugal, por essa via, tem utilizado uma prerrogativa que existe, do ponto de vista negocial, para usar mais duas armações do que aquelas a que tem direito. Este é o tempo de passar isto a definitivo e negociar, em Bruxelas, em dezembro, essas três armações», considerou.
«O que existe agora é um regime histórico. Ou seja, a atribuição das armações é feita em função das que existiam num determinado ano, na Europa. Esse regime histórico esteve implantado na Agricultura durante muitos anos, mas na última reforma da Política Agrícola Comum acabou. Este é um momento oportuno para acabar, também nas pescas, com este regime e para a atribuição das armações ser feita consoante as necessidades efetivas», acrescentou.
«O PS vai levar à Assembleia da República um projeto de resolução, onde vamos defender que este assunto seja negociado de forma prioritária. Porque a questão está na forma como nós negociamos. Se não é for uma prioridade, é natural que Espanha e Itália continuem a defender as suas posições. Se for prioritário, estou certo que esses dois países compreenderão que isto é importante para nós e demonstrarão alguma abertura. Porque, em última análise, esta é uma questão da União Europeia e não dos países em si», garantiu Miguel Freitas.
Permissão para fazer “engorda” de atum também deve ser discutida
Durante a visita às armações da Real Atunara, o diretor da empresa Miguel Socorro chamou a atenção para outra questão, que afeta os exploradores de armações de atum, em Portugal. O mesmo regime histórico em que se baseia a atribuição de apenas uma licença a Portugal também impede que se faça “farming“, ou “engorda”, de atum no nosso país, ao contrário do que acontece, por exemplo, em Espanha.
Assim, os criadores portugueses, apesar de manterem os atuns dentro das armações e de lhes darem alimento para que cresçam, não podem vender um peso superior aquele que deu entrada nas redes, apesar de terem o mesmo número de atuns. Uma desvantagem competitiva, que obriga a libertar muitos peixes que se alimentou durante meses.
«Temos de passar de uma modalidade de captura para outra de engorda. Este ano, a Real Atunara já alimentou os atuns com 200 toneladas de peixe [cavala e arenque]. E essa alimentação não se repercute no valor final que essa empresa vai ganhar», ilustrou Miguel Freitas.
«Em Espanha, está reconhecida a aquacultura de atum. Desta forma, o valor da venda é o da quota capturada mais o peso da engorda. Em Portugal, não», realçou. «Assim, é igualmente prioritário que Portugal passe, também, a ter reconhecida não só a modalidade de captura, mas também a engorda», defendeu Miguel Freitas.
Miguel Socorro, por seu lado, explicou que esta “engorda” é feita para aumentar o valor de mercado do peixe vendido, mas não esconde que esta é uma desvantagem competitiva. Até porque os valores envolvidos, na comercialização desta espécie, são muito elevados.
Segundo Miguel Socorro, há neste momento cerca de 600 atuns nas duas armações da empresa, que serão «sacrificados» nas próximas semanas. O seu destino é o Japão, fruto de um acordo que a Real Atunara tem com «um dos maiores negociantes japoneses» e o negócio poderá valer mais de um milhão de euros, dado o elevado valor de mercado deste peixe. Mas, caso pudesse encaixar também o valor da engorda, essa verba poderia subir substancialmente, na ordem dos 50 por cento.
terça-feira, 9 de setembro de 2014
Jornadas do Mar 2014 - Mar: Uma onda de progresso
As "Jornadas do Mar", iniciativa da Escola Naval, têm como objetivo promover o estudo genérico dos Oceanos, destacando o seu papel no passado e no presente e perspetivando a sua utilização no futuro.
As próximas Jornadas realizar-se-ão na semana de 11 a 14 de novembro de 2014, subordinadas ao tema “Mar: uma onda de progresso”.
Esta iniciativa, dirigida aos estudantes do Ensino Superior, pretende constituir um estímulo para a apresentação e discussão temática orientada, proporcionando a convivência entre os alunos de diferentes instituições do Ensino Superior e personalidades ligadas às várias áreas em debate.
Para mais informações e download do Regulamento, aceda a:
ou a:
segunda-feira, 8 de setembro de 2014
No futuro, 97% de Portugal será mar
A Marinha adopta soluções cada vez mais eficientes para exercer a sua autoridade no mar. Agora, devia fazer-se a fusão das estruturas de apoio a todos os navios, propõem os seus responsáveis .
A explicação vem mesmo do mar. Portugal é uma das maiores nações
da Europa quando se soma ao espaço terrestre a Zona Económica Exclusiva.
Actualmente, o país estende-se ao longo de um milhão e setecentos quilómetros
quadrados e, caso a sua pretensão venha a ser aceite internacionalmente, com o
alargamento da plataforma continental o território nacional alargar-se-á a
quase quatro milhões de quilómetros quadrados. Fazendo com que 97% de Portugal
seja mar.
“O Estado tem uma área gigantesca de mar”, resume Gouveia e
Melo, chefe de gabinete do Chefe de Estado-Maior da Armada. Com tanto mar, a
maximização de recursos na Marinha deixou de ser uma opção há muito tempo para
um país como Portugal. “Nas marinhas dos países mais pequenos, a preocupação é
a racionalidade económica”, assume o contra-almirante.
É por isso que a Marinha
Portuguesa não é apenas uma arma de guerra. Desde 1976 que vem desenvolvendo a
sua capacidade de realizar actividades militares e não militares, o chamado
duplo uso. Isso não sem algumas polémicas pelo meio, sobre quem tem autoridade
para fazer o quê, num país com as já referidas 12 entidades com autoridade no
mar.
Os termos em inglês separam
claramente duas funções essenciais, que são uma espécie de aliança de
sustentabilidade: security e safety. A tradução para
português presta-se a confusões e a operacionalização também. No mar a
fronteira esbate-se. E o debate ainda se faz sobre quem deve ter o poder de
fazer impor a soberania portuguesa e quem tem de impor o cumprimento da lei.
É em terra que se encontra
um dos melhores exemplos da aplicação do conceito do duplo uso. Mais
precisamente em Oeiras. Foi no perímetro das instalações da NATO que a Marinha
instalou o Centro de Operações Marítimas (COMAR). Numa sala com seis militares
e uma miríade de computadores e ecrãs é levado a cabo, “24 horas sobre 365
dias”, o comando e controlo das forças navais da Marinha. Mas não só. A Marinha
operacionaliza, a partir daquelas instalações, o acompanhamento dos navios da
Armada em águas nacionais mas também a sua colaboração em ambiente marítimo com
outras autoridades do Estado. Com os tais outros 12 serviços do Estado com
poder no mar.
Graficamente, explica
Gouveia e Melo, é naquela sala que se “identifica o blip que aparece no radar”.
Ou, para se ser mais preciso, radares e satélites. Cruzando toda a informação
civil e militar que permite seguir em tempo real qualquer movimento no espaço
marítimo português. É ali que se faz a “compilação e fusão de informação” que
depois pode ser disponibilizada às outras entidades.
“Somos os olhos e os
ouvidos do Estado além-horizonte”, explica o comandante Coelho Dias,
responsável pelo COMAR. Seja para vigiar a eventualidade da passagem de um
navio militar, seja para a possibilidade de outras acções menos belicosas. O objectivo
é que nada fuja à malha. Para isso está ali concentrada uma “rede de radares” e
até de satélites europeus. É ali que são compilados os dados detectados pelo
Long Range Identification and Tracking (LRIT), pelos satélites do Automatic
Identification System (AIS)
e pelo Vessel Monitoring System (as caixas azuis dos navios de pesca).
Que são depois fundidos e integrados pelo programa Oversea,
desenvolvido pela Marinha e pela portuguesa Critical Software. Um sistema
informático que já foi vendido à Guarda Costeira irlandesa.
Por ano, atravessam as
águas portugueses mais de 180 mil navios, confirma Coelho Dias. E assim
torna-se essencial destrinçar um simples barco de pesca, de um cargueiro, de um
cruzeiro científico ou de um navio, como classifica Gouveia e Melo, que aparece
com “intenções esquisitas”. Que lá por não ter a intenção de traficar droga,
por exemplo, não quer dizer que não viole a lei. Um cargueiro que lave os seus
tanques ao largo de Lisboa pode cair na tentação de ir longe demais e gerar um
acidente de poluição que afecte o bem-estar dos portugueses.
Coelho Dias recorda um
exemplo de um navio francês que caiu na malha do satélite europeu: “Ele passa
três vezes por semana e apanha quase sempre uma situação. Dessa vez detectou
uma mancha no mar. ‘Rebobinámos’ o panorama e detectámos que naquele período
três navios haviam passado por aquela rota. Contactámos os navios. Houve um que
assumiu uma lavagem de tanques, garantiu que o tinha feito na margem permitida
por lei. Disse que era apenas óleo de soja. Mas a verdade é que a quantidade
foi de tal ordem que foi detectado por um satélite. Imagine que uma substância
mais nociva chegava às praias da Costa da Caparica em plena época balnear…
Quando o interpelámos, ele contactou de imediato o COMAR para se explicar. Eles
sabem que nós estamos atentos. Isso é dissuasão.”
O caso seguiu o seu curso.
Mas só foi possível graças à capacidade e celeridade que um centro como o COMAR
dá ao Estado português de reagir em tempo real. Tanto para vigiar uma lavagem
de tanques no mar, como para detectar uma embarcação suspeita que se dirige à
costa.
Ou para coordenar uma
operação de Busca e Salvamento ao largo de Lisboa. Também é a partir dali que é
coordenada qualquer acção no mar que a Polícia Judiciária, por exemplo, veja
por necessária levar a cabo. “Se a PJ tem informação privilegiada sobre um acto
suspeito no mar, pode pedir à Marinha para fazer o seguimento de uma qualquer
embarcação. E também podemos desencadear a intercepção, com elementos da
Judiciária no momento da intercepção”, explica Paulo Vicente. Nesse tipo de
operações, a Marinha cede os meios e “o comando é assumido pela entidade que é
competente”, clarifica o comandante.
Radares em vez de navios
A “fusão” é a mais-valia
que permite ao COMAR atingir os seus objectivos. Gouveia e Melo agarra no
exemplo para defender os ganhos providenciados por essa opção tomada em 2008.
“Antes tínhamos de ter presença naval no mar”, reconhece Coelho Dias. Agora
usam-se os radares “em vez de uma série de navios no mar feitos formigas
tontas”.
E é na “fusão” que Gouveia
e Melo vê a solução que garante um Portugal sustentável. O contra-almirante
defende-a na sua área. “Os grandes custos na Marinha estão em terra, nas
actividades necessárias à sustentação da actividade no mar”. Sendo um
submarinista, aplica a ideia à flotilha de submarinos. “Para os dois que temos
tivemos que criar uma estrutura em terra que engloba a manutenção, a logística
operacional (combustível e alimentação), o comando e controlo, o pessoal
(carreiras e formação) e treino e doutrina. Essa estrutura que suporta dois
submarinos, depois de criada, poderia suportar a actividade de 20, caso fosse
necessário.”
Gouveia e Melo propõe a
fusão das estruturas de apoio a todos os navios. Tendo por exemplo, uma estrutura
que fosse capaz de gerir tanto os navios da Marinha como as embarcações da GNR.
Uma solução exequível, sustenta o mesmo responsável, uma vez que já existem
provas: “A Marinha tem cinco helicópteros [Lynx,
que operam nas fragatas]. O apoio a esses helis é feito pela Força Aérea que é
quem tem maior experiência. Não fazia sentido a Marinha duplicar uma estrutura
que já existe na Força Aérea”.
Essa inevitabilidade também
transformou os equipamentos navais que a Armada tem actualmente ao seu dispor.
À vista desarmada, os dois recentes Navios de Patrulha Oceânicos surgem como
mais um navio de guerra. Mas, na realidade, explica o comandante Paulo Vicente,
estas embarcações foram pensadas, desenhadas e concebidas para “cumprir missões
de serviço público”.
Destinadas a substituir as
obsoletas corvetas e os vetustos patrulhas, os dois navios tiveram definidas,
desde o início, como “tarefas principais” outras missões que não a guerra. “O
canhão até nem precisava de ter sido instalado”, garante Gouveia e Melo. Foi
colocado para dar outra “presença”, acrescenta Paulo Vicente.
A sua “principal missão”,
tal como definida, é executar as “missões da Marinha em tempo de paz”. Que, por
ordem de prioridade são “patrulhar, fiscalizar as águas costeiras e oceânicas”,
“controlar as actividades económicas”, “executar missões de busca e
salvamento”, “colaborar na defesa do ambiente” e “executar acções de socorro e
assistência em colaboração com o Serviço Nacional de Protecção Civil”. Só nas
“tarefas secundárias” surgem as missões que tradicionalmente são acometidas a
um navio de guerra como a de “cooperar com os outros ramos [das Forças Armadas]
com vista à criação de condições militares para a resistência activa em caso de
ocupação do território nacional”.
Como tal, os patrulhas
oceânicos Viana do Castelo e o Figueira da Foz foram construídos com um
conjunto de requisitos específicos. Capazes de uma “prolongada permanência no
mar” – um mês – com um “mínimo de guarnição” – 38 homens – e o “máximo de
automatismo”. E com capacidade para “funcionar como base avançada” dos
helicópteros da Marinha, com equipamento e espaço para fazer reabastecimentos
aos Lynx. Dispõem por exemplo de um sistema de
tratamento de resíduos em conformidade com as leis antipoluição. Para poder
operar tanto em alto-mar como na costa, foram desenhados com um calado “até
quatro metros, de forma a poderem praticar a maioria dos portos nacionais”.
Transportam, cada um, duas embarcações semi-rígidas para acções de fiscalização
e salvamento, outras duas embarcações suplementares para apoio a mergulhadores
e também acções de salvamento.
Os seus sistemas de armas
têm uma peça com “capacidade de utilização de munições de diferentes calibres”.
Têm espaço extra para “eventual embarque de sistemas e equipamentos adicionais”.
Nomeadamente, um “contentor normalizado tipo laboratório especializado”.
Foram pensados para juntar
na mesma plataforma todos os equipamentos necessários para substituir e assim
cumprir as missões de dois tipos de navios da Marinha. As das corvetas, de 85
metros e com guarnições de 70 homens, para operar em mar alto. E as dos
patrulhas mais pequenos, de 44 metros, que com os seus 33 homens patrulham a
costa.
Os novos Viana
do Castelo e Figueira
da Foz foram
aumentados ao efectivo da Marinha entre 2010 e 2013. Mas não chegam para abater
ao efectivo as seis corvetas e quatro patrulhas que, apesar de terem sido
construídas entre o final dos anos 60 e início de 70, ainda estão no activo.
Desde que o programa de
construção de 10 patrulhas oceânicos foi congelado e depois cancelado, por
força da crise e das restrições orçamentais, a Marinha teve de avançar com
dispendiosos programas de manutenção dos outros equipamentos mais antigos. Que
para se manterem no mar requerem guarnições maiores, fazem menos e gastam mais.
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