Os chineses correm meio mundo em busca de uns animais, com o corpo em forma de chouriço, que fazem as delícias à mesa dos orientais – são os pepinos-do-mar, desprezados pelos portugueses. No mercado asiático, depois de secos, chegam a custar 150 a 200 euros por quilo.
Qual a
diferença entre os pepinos produzidos em terra ou no mar? Só existe semelhança
na forma e no facto de ambos serem comestíveis e de agrado popular – mas um é
vegetal e o outro não. O preço de um pepino dos oceanos – animal da família dos
ouriços-do-mar e das estrelas-do-mar – pode chegar aos 150 a 200 euros por
quilo seco. Os chineses correm o mundo em busca destes animais, atribuindo-lhes
propriedades singulares na alimentação e, na medicina popular, dizem ter
poderes afrodisíacos. No Norte da Turquia, nos últimos dois anos, foram
pescados 700 mil a um milhão de indivíduos por dia – uma razia que se está a
repetir no Norte de África.
No Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve,
a investigadora espanhola Mercedes González Wangüemert, está a investigar
há cinco anos aos pepinos-do-mar. Antes, esteve em Girona e Múrcia, Espanha, a
estudar a genética de populações marinhas de outros animais, como pargos e
lesmas-do-mar. Está preocupada com a inexistência de legislação que proteja
estes invertebrados marinhos em risco de extinção nalguns pontos do globo e
defende a monitorização das capturas. “Não existe legislação que regule a pescaria.
A zona Norte da Turquia foi dizimada, e agora viraram-se para sul, colocando em
perigo a sobrevivência das espécies.”
A partir do Norte de Marrocos estão agora a ser
exportadas “toneladas de pepinos-do-mar” para São Francisco, nos Estados
Unidos, onde há uma importante comunidade chinesa. A informação sobre o que se
está a passar nesses mares tem-lhe chegado através de um investigador local que
colabora com a equipa da Universidade do Algarve.
Nos mares do Índico e Pacífico, devido à procura desenfreada,
há zonas onde estes animais quase desapareceram por completo. Por isso, uma vez
esgotados os recursos nas zonas dos trópicos, as capturas passaram a fazer-se
no Mediterrâneo e no Atlântico europeu. Além do valor nutricional (possíveis
antioxidantes e ácido gordo ómega-3), pode ainda ser utilizado na obtenção de
substâncias para fins terapêuticos. Na ausência de normas que protejam estes
animais, as capturas são livres.
No Algarve, entre a comunidade piscatória, os
pepinos-do-mar são conhecidos pelo nome popular que deriva da sua forma fálica.
O tamanho médio da espécie Holothuria
arguinensis oscila entre 15
a 20 centímetros, mas na ilha da Culatra, na ria Formosa, já foi encontrado um
exemplar com 65 centímetros.
A equipa do Centro de Ciências do Mar da Universidade do
Algarve, que inclui dez investigadores, conseguiu entretanto reproduzir
pepinos-do-mar em sistema de aquacultura, na estação-piloto do Ramalhete, na
ria Formosa. Nasceram há cerca de três meses as primeiras crias de uma das
espécies de pepinos-do-mar de maior valor comercial – precisamente a Holothuria arguinensis,
existente no Algarve, na costa ocidental de Portugal até Peniche, nas ilhas
Canárias e no Noroeste de África.
“Isto é como cuidar de uma criança”, comenta Mercedes
González Wangüemert, a coordenadora do projecto, ao observar o aquário os 40
juvenis, com 1,5 centímetros de comprimento.
É neste mundo aquático da Estação Experimental do
Ramalhete – instalada num velho armazém de apoio às antigas armações de atum da
Companhia de Pescarias do Algarve, perto de Faro, e rodeada de salinas – que a
vida corre numa aparente tranquilidade. Jorge Domínguez Godino, um jovem
biólogo espanhol com um doutoramento nesta área, recorda o momento em que,
através de um choque térmico, na última Primavera, promoveu a reprodução
induzida da Holothuria
arguinensis – os machos
lançaram o esperma na água, as fêmeas os óvulos e natureza fez o resto. O
resultado não podia ser melhor. “Um êxito”, enfatiza.
Na fase seguinte, para o próximo ano, espera que não faltem
apoios financeiros para levar a cabo o estudo noutras latitudes. “Ainda falta
saber muito sobre estes animais”, comenta Jorge Domínguez Godino, lembrando que
há 66 espécies comestíveis de pepinos-do-mar.
Próximo passo: a produção em escala
O CumFish, como se chama este projecto de investigação iniciado em 2012 e a terminar no próximo mês de Janeiro, permitiu estudar as cinco espécies de pepinos-do-mar sobre as quais se exerce a maior pressão a nível mundial: além da Holothuria arguinensis, a Holothuria polii e Holothuria tubulosa(que se encontram só no Mediterrâneo) e a Holothuria mammata eParastichopus regalis (que se encontram Mediterrâneo e Atlântico).
A reprodução conseguida no Algarve revestiu-se de
particular significado por ser de uma das espécies de pepinos-do-mar mais
cobiçadas, e não se conheciam as formas de a fazer multiplicar fora do seu
habitat. O sucesso, explicou a coordenadora do projecto, foi conseguir fazer a
passagem da fase de larva para juvenil, que é marcada pela “ocorrência de muitas
mortes”, tanto em meio natural como em aquacultura. Por outro lado, salienta
que, em paralelo, a equipa do Centro de Ciências do Mar “fabricou” as
microalgas para alimentar as crias.
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